Oficina de escrita: dando vazão ao processo criativo

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Para escrever, é preciso escrever. Apesar de a escrita ser minha paixão desde a infância, demorei muitos anos para entender tal afirmação. Registrei em poesias a doçura da infância e em prosa as emoções variadas da adolescência até chegar à fase adulta. Foi só então que comecei a perceber que era preciso organizar o processo criativo.

Mas como sistematizar a arte? Onde fica tudo que a jovem Mylle sabe sobre dom, inspiração e arte pela arte? A idealização do processo permanece, como uma das formas de dar vazão à escrita. Mas não como a única.

Há uma enorme floresta densa entre o desejo de escrever e o ponto final. A cada novo texto, trilhamos um novo caminho, letra após letra. Primeiro é preciso abrir uma trilha, depois limpar os galhos, ladrilhar o chão, verificar se tudo está seguro, para enfim poder convidar outras pessoas ao passeio.

Escrever bem dá trabalho. Anos de trabalho ininterrupto, uma vida inteira dedicada a isso. No entanto, precisamos nos afastar do mito de que apenas “os escolhidos” podem ser escritores. Todos podemos. Todos devemos nos permitir evoluir, se assim desejarmos.

Escrever sobre escrever

Nada melhor do que escrever sobre escrever e a semente estava plantada dentro de mim. Acredito que é possível treinar a escrita entregando algo ao mundo. Extrapolar, mesmo que sutilmente, as classificações dos textos, fazer da palavra a arte do conhecimento. Ideológico e sonhador? Sim, mas toda caminhada surge de um sonho.

Não importa em qual estágio você se encontra, se escreve há anos ou está dando seus primeiros passos. Para escrever bem é preciso escrever.

Foi em meio a esse devaneio que nasceu o site Oficina de Escrita. O nome é uma homenagem às aulas de escrita criativa que a professora de português Mariangela Trindade Gomes ministrava e que me incentivaram a escrever minhas primeiras histórias.

O mito do dom

Na adolescência, enquanto criava os textos para as aulas, eu acreditava que era preciso ser iluminada pela inspiração para poder escrever. Muitas vezes, deixava de trabalhar nas aulas e passava as tardes em casa, colocando no papel romances açucarados, com sabor de novela mexicana.

Eu, nascida com o dom da escrita, imaginava que era especial. Que era diferente. Que tinha nascido com um algo a mais que meus colegas não possuíam e que nunca poderiam entender. E, por isso, não conseguiria simplesmente sentar na sala de aula e escrever, era preciso todo um preparo, um ritual.

Felizmente, hoje vejo que o dom é um mito. Claro que todos, ao longo da vida, descobrimos que temos mais facilidade para algumas coisas do que para outras. Porém, a predisposição sozinha não nos leva a lugar algum: ninguém evolui sem estudo e dedicação.

Sei que é assustador começar a estudar escrita quando o mundo já está repleto de pessoas que escrevem muito bem. Ou pior, quando pessoas próximas dizem que você escreve muito mal. É difícil, mas não desanime. Você pode ser bom em qualquer coisa na vida, basta querer. Talvez você tenha que se dedicar mais do que outras pessoas, é verdade, mas não importa. Foque em seu objetivo e siga em frente.

Inspiração x Dedicação

Uma outra professora de português, colega da que criou a Oficina de Escrita, afirmou no meio da aula: a inspiração não existe. Eu, uma adolescente apaixonada por Machado de Assis e com as emoções à flor da pele, achou ter ouvido um verdadeiro absurdo. É claro que a inspiração existe, é ela que move a escrita, não é?

Se Machado de Assis tivesse se valido apenas da inspiração, talvez não tivesse nem aprendido a escrever. Vindo de família pobre, mal foi à escola e não frequentou a universidade. No entanto, como sempre se interessou pela escrita, dedicou-se plenamente ao seu objetivo, conquistando cargos públicos, fazendo contatos e publicando suas histórias em diversos folhetins.

A predisposição sozinha não nos leva a lugar algum: ninguém evolui sem estudo e dedicação.

A inspiração é o pontapé inicial, mas não podemos nos valer apenas dela. É preciso ter em mente que, se o objetivo é realmente escrever bem, criar só quando a inspiração vem não é uma opção. O estudo e a prática devem ser diários, até que escrever seja tão natural quanto respirar.

Um passo de cada vez

Antes de começar a sua caminhada, preciso te contar algo: o caminho é longo e tortuoso. Não há como escrever bem do dia para a noite. É preciso esforçar-se e reservar pelo menos 2h, às vezes 3h do seu dia para praticar. Escrever não é um processo automático – e, por isso mesmo, é tão assustador.

Porém, se esse é o seu sonho, eu recomendo que você invista nele. Não importa em qual estágio você se encontra, se escreve há anos ou está dando seus primeiros passos. Para escrever bem é preciso escrever. Sem o texto pronto não há o que corrigir, o que mostrar aos seus leitores e nem saber como melhorar no próximo trabalho.

Espero que possamos caminhar juntos no mundo da escrita, um passo de cada vez. Assim como fez comigo uma professora de português, quero ser capaz de incentivar e inspirar escritores a continuar criando. Vida longa à Oficina de Escrita.

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Quem escreve sobre escrita

Mylle Pampuch

Mylle Pampuch escreve e edita livros. Publicou as histórias em quadrinhos A Samurai e Doce Jazz e os livros de contos A Sala de Banho e Realidades pré-distópicas (& modos de usar). Ministra oficinas de escrita criativa, orienta autores em seus projetos literários e incentiva todos que queiram a escrever e publicar suas próprias histórias.

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