8 elementos essenciais para criar uma boa história em quadrinhos

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As histórias em quadrinhos estão cada vez mais presentes em nossas vidas. Com o aumento das feiras voltadas ao nicho e o crescimento do mercado, as narrativas gráficas abrem uma nova oportunidade. Se você é escritor e se identifica com o gênero, já deve ter se perguntado como criar uma boa história em quadrinhos.

Depois de alguns anos escrevendo meus próprios roteiros e ministrando oficinas na Gibiteca de Curitiba, percebi que existem algumas falhas comuns a escritores que querem contar histórias em roteiros de HQ.

Se você, assim como eu, não sabe desenhar, mas sente vontade de transformar suas narrativas em histórias em quadrinhos, o artigo abaixo é um prato cheio para tornar sua ideia um bom roteiro de HQ.

E para te ajudar ainda mais, indico a leitura do meu e-book Guia Básico de Prático para a sua próxima História em Quadrinhos. Recheado de exercícios de escrita criativa, nele reuni todo o conteúdo das minhas oficinas de Roteiro para HQ, acompanhando o leitor desde a elaboração do plot da narrativa, passando pela estrutura do roteiro, personagens, jornada do herói, conflitos, curva dramática e até mercado editorial.

1. Seja objetivo nos seus roteiros

Um bom roteiro de HQ tem uma característica simples: objetividade. Ao escrever prosa, o autor se dá ao luxo de divagar pela cena, entrar na mente do personagem, passear pelas formas e sensações de tudo que está acontecendo ao redor.

o roteiro é uma conversa com o desenhista da sua história. Por isso, o seu objetivo ao escrever é contar uma história que alguém consiga compreender e transformar em narrativa gráfica.

Ter uma estrutura de roteiro já faz toda diferença. Marque, em negrito e com uma fonte maior, o início de cada página e quadro. Centralize os nomes dos personagens e suas falas, para que elas não se confundam com as descrições das cenas.

Além disso, descreva com objetividade o que aparece no quadro. Seja você detalhista como Alan Moore ou mais sucinto como Stan Lee, seu foco como roteirista é se fazer entender.

Lembre-se que você está contando uma história para dois leitores diferentes: para o seu desenhista e para o seu leitor final. Seu trabalho é se fazer entender por ambos.  

2. Guarde a divagação para a narrativa

Na história em quadrinhos, tudo acontece através de ações.

Lembre-se que você tem imagens para trabalhar. Uma HQ é a união de imagens e palavras, na qual as imagens representam ação e as palavras, emoção.

No entanto, aquele parágrafo lindo e maravilhoso sobre como o personagem se sente não aparecerá na sua página. A sua função aqui é transmitir as emoções da cena através das imagens e utilizar falas apenas para o que for estritamente necessário.

Deixe a divagação para criar a sua história. Em um bom roteiro de história em quadrinhos você não precisa se preocupar com o estilo da sua escrita, muito menos em tornar o seu texto um primor narrativo. O seu roteiro não é feito para ser publicado, mas sim para ser transformado em uma narrativa gráfica. Ninguém, além do desenhista e de alguns leitores beta, o lerão.

3. Descrições físicas mostram o psicológico dos personagens

O segredo para criar uma boa história em quadrinhos – ou melhor, para qualquer boa história – é escrever personagens únicos. Se na narrativa em prosa é possível explorar, através do texto, vários aspectos psicológicos para diferenciar o personagem central dos demais, na HQ nós temos o apelo visual.

Escrever um roteiro é contar uma história através de imagens. Logo, se você pode explorar o campo das imagens, a unicidade do seu personagem precisa ser expressada através do apelo visual.

Para os desenhistas, a regra para o design de personagens é dar-lhe elementos, tanto físicos (biótipo, cor de cabelo, cor da pele marcas de nascença ou cicatrizes, etc) quanto acessórios (roupas, linguagem corporal, o que carrega, como arruma o cabelo, etc) que o diferenciem a tal ponto que o personagem seja identificável mesmo que outra pessoa o desenhe.

Exemplos não faltam. Batman, Mulher Maravilha, Wolverine, Hulk, Homem de Ferro, Thor, Capitão América, Super Homem, Flash, Lanterna Verde, Mickey Mouse, Tio Patinhas, Pateta, Tintin, Goku, Naruto, Sailor Moon… a lista é infinita. Cada um deles possui características que os tornam únicos, memoráveis.

E é assim que você precisa imaginar o seu personagem.

Por mais que o seu personagem seja comum, algo nele, um detalhezinho que seja, o diferenciará dos demais.

Antes de escrever o seu roteiro, sente e descreva todos os personagens da sua história. Escreva tudo sobre eles, características físicas e psicológicas. Coloque tudo que achar importante no papel, exatamente como você o imagina.

Um dos exercícios do meu e-book Guia Básico de Prático para a sua próxima História em Quadrinhos é a entrevista com o personagem. Trata-se de uma lista com 21 perguntas que você faz ao seu personagem e as responde em primeira pessoa, como se ele estivesse falando.

Sempre recomendo que meus alunos submetam seus personagens a esse questionário para que tenham mais clareza sobre a história de quem eles estão escrevendo.

4. Apenas uma ação por quadro

Sem dúvida este é o maior desafio de quem migra da prosa para a narrativa gráfica. Enquanto escrevemos, nada mais natural do que imaginar a cena em movimento, com os personagens executando a ação.

No entanto, ao criar uma história em quadrinhos, é preciso lembrar de que os quadros são estáticos. Não é uma cena inteira, é apenas um frame dela.

No primeiro roteiro que escrevi, cometi esse erro. Em um mesmo quadro, queria que o personagem se aproximasse da casa, batesse na porta e fosse atendido pela outra pessoa, travando uma conversa.

Fica claro, porém, que essa sequência exige pelo menos três quadros para acontecer – ou mais, dependendo da tensão pretendida. Em uma história de suspense, por exemplo, é possível estender essa mesma cena por páginas, intercalando a aproximação do visitante com as ações do morador dentro da casa, barulhos e lembranças de experiências passadas, etc.

Já em uma narrativa de aventura ou numa em que a cena tenha menor importância, é melhor enxugar a cena a três ou menos quadros, uma vez que o espaço na página é limitado e não queremos que o leitor perca tempo com acontecimentos menores.

5. Planeje as viradas de página

O que move o trabalho de todo contador de histórias – seja ele escritor, roteirista, blogueiro, marketeiro, etc – é prender e manter a atenção do seu público. Sempre que, como leitores, temos a sensação de não conseguir parar de acompanhar uma narrativa, é porque as pessoas envolvidas em sua produção são talentosas.

Em um roteiro de história em quadrinhos não seria diferente. Depois de ter todo o trabalho escrevendo e produzindo a sua HQ, é natural que você queira ser lido do início ao fim. É por isso que você precisa planejar alguns eventos da sua narrativa para que o leitor não a largue na metade.

Não gosto de pensar em boas ou más histórias, prefiro pensar que existem leitores mais propensos ou menos para receber um determinado filme, livro, série ou HQ. O que existe, sem sombra de dúvida, são narrativas mal estruturadas.

Mesmo a ideia mais genial do mundo, quando mal executada, se torna desinteressante.

Nas histórias em quadrinhos, em particular, você tem a virada de página. Mesmo se o suporte for digital, as narrativas são distribuídas em páginas, cada qual com um número limitado de quadros.

Preste atenção no último quadro de todas as suas páginas. Olhe para ele e se pergunte: estou mostrando um momento tão importante da minha história a ponto de incentivar o leitor a continuar a leitura?

Voltemos à nossa cena do visitante se aproximando da porta. Nesse caso, será uma cena de suspense. Ele se aproxima da casa com um machado na mão, assobiando. Dentro da casa, o morador escuta o assobio e começa a procurar algo. O visitante bate na porta sem fazer questão de ser discreto. O morador encontra sua arma dentro de uma gaveta. O visitante insiste e diz “eu sei que você está aí, precisamos conversar”. O morador coloca as balas na arma, joga fora o cigarro que tinha na boca dizendo “só um pouco, estou chegando”. No último quadro, ele aponta a arma para a porta com a mão direita e, com a esquerda, gira a maçaneta.

O que acontecerá em seguida? Para descobrir, o leitor terá que virar a página e continuar a leitura.

Envolva o seu leitor e o mantenha virando as páginas. Se você fizer isso, garanto que sua história em quadrinhos será um sucesso.

6. Pense na sua página como um todo

Ao contrário de um texto em prosa, nos roteiros para HQ, as páginas são unidades e fazem toda a diferença na narrativa gráfica. Por isso, escrever ignorando sua existência é como ignorar uma ferramenta poderosa de atração de leitores.

O exemplo anterior do visitante chegando até a casa é uma página fechada. Ela, por si só, mostra ao leitor um trecho importante da história – em outras palavras, é uma página que funciona sozinha.

Nem sempre, é claro, é possível escrever páginas independentes. Como em toda narrativa, algumas páginas perdem o sentido se tiradas do contexto. No entanto, o objetivo de uma página de HQ é fazer o leitor entender o que está acontecendo naquele momento só de olhar a página.

Afinal, estamos falando de narrativas gráficas.

Algo que sempre faço em meus roteiros e indico que meus alunos também o façam é resumir a cena da página antes de distribuí-la em quadros. Assim, fica bem mais fácil planejar quantos quadros serão necessários e como a cena será mostrada graficamente. 

7. Monte um banco de referências visuais

Imagine a seguinte situação: você escreveu seu roteiro de HQ com 500 páginas. Na sua cabeça, o personagem central é muito parecido com o Super Homem. Dois anos depois, quando você recebe tudo pronto do desenhista, ele preferiu deixar seu personagem mais parecido com o Thor.

Uma das riquezas da literatura em prosa, que é fazer com que cada um imagine os personagens como quiser, acaba sendo um desafio em roteiros para histórias em quadrinhos. A boa notícia é que é muito fácil minimizar os desencontros: basta criar um banco de referências visuais.

A partir do momento que você começar a imaginar a sua narrativa, pesquise e salve imagens de referência. Crie uma pasta no seu computador e não se acanhe, salve tudo mesmo. Pessoas, roupas, objetos, cenários, detalhes, poses, paletas de cores, tudo!

Salve também páginas de outras histórias em quadrinhos que você leu e que te agradam. Toda a diagramação das páginas – quantidade de quadros, disposição dos personagens e dos balões, cores utilizadas, etc – também dizem muito sobre a história que você quer contar.

Reunir um bom banco de referências visuais, além de garantir que sua HQ fique o mais próximo do que você imaginou, fará com que o desenhista economize tempo de pesquisa e tenha mais tempo para fazer o que interessa: desenhar.

8. Esboce o layout das páginas

Ao imaginar cada uma das suas páginas, é bem provável que você decidiu como os quadros dela estarão distribuídos. Então por que não pegar papel e lápis e esboçar os quadrinhos do seu roteiro?

A disposição dos quadros em uma página é um dos elementos que determina a ordem de leitura da história. As histórias ocidentais são sempre lidas da esquerda para a direita, de cima para baixo.

Tendo isso em mente, você pode utilizar os mais variados layouts. Com a sua pasta de referências de páginas em mãos, procure as que mais combinam com o que você quer contar e copie-as. Veja o que funciona e o que não.

Lembre-se que, mesmo sem saber desenhar, você não precisa deixar todo o trabalho nas mãos do desenhista. Quanto mais material você der a ele, melhor será o resultado do esforço em conjunto de criar uma história em quadrinhos.

Nada substitui boas leituras

A resposta para a pergunta como criar uma boa história em quadrinhos é simples: leia boas HQs. A regra de ouro de qualquer escritor é ler muito e escrever muito.

Leia para aprender como os que vieram antes de você contaram suas narrativas. Leia para descobrir novas histórias. Leia para se conhecer através de outros personagens. Leia para compreender a linguagem das narrativas gráficas. Leia para conversar com pessoas de longe, de outros tempos. Leia para escrever melhor.

É através da leitura que encontramos nossos grandes mestres. Por isso, se você se sente motivado a escrever histórias em quadrinhos, dedique um tempo lendo-as. Não comece a escrever roteiros de HQ só porque fazer um filme parece complicado. Cada suporte tem uma linguagem diferente e se você não dominar o básico dessa linguagem, sua HQ estará fadada ao fracasso.

E, claro, uma ajudinha mais técnica sempre é bem-vinda. Se você gostou desse artigo e quer aprofundar ainda mais os seus conhecimentos em roteiro, conheça o meu Guia Básico e Prático de Roteiro para a sua próxima História em Quadrinhos.

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Quem escreve sobre escrita

Mylle Pampuch

Mylle Pampuch escreve e edita livros. Publicou as histórias em quadrinhos A Samurai e Doce Jazz e os livros de contos A Sala de Banho e Realidades pré-distópicas (& modos de usar). Ministra oficinas de escrita criativa, orienta autores em seus projetos literários e incentiva todos que queiram a escrever e publicar suas próprias histórias.

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