Há sempre uma pulga atrás da orelha da escrita; algo que fazemos ou deixamos de fazer. O incomodo em mim que originou esse ensaio foi o fato de ainda não ter reunido contos suficientes para o meu próximo livro.
A pergunta martelando na minha cabeça foi como pude me iludir tanto? Escrever todos os dias é ótimo, mas ficar fazendo só isso sem objetivo é como ter um pomar e não saborear os frutos.
Eu me iludi no caminho, diversas vezes. E agora, quando achei que tinha acertado o rumo, me iludi mais uma vez.
Seria vago dizer apenas não se iluda. Por isso, preferi contar parte da minha trajetória: para mostrar como é fácil se iludir mesmo quando tudo parece bem.
O sonho cadente
Considero-me escritora desde o dia em que, aos oito anos de idade, fiz meu primeiro verso. Portanto, estou nessa caminhada há quase 25 anos; tropeçando por entre palavras, ideias e questionamentos.
Posso dizer que sou uma especialista no assunto busca pelo sentido da escrita – mesmo que nunca tenha levado à sério essa coisa de largar tudo para ser escritor.
Antes de publicar meu livro de contos, eu tinha muito medo de assumir o que fazia. Tinha blog autoral com postagens esporádicas, às vezes mostrava meus textos para uma ou outra pessoa, e só.
De forma inconsciente, me escondi em outras atividades. Inventando desculpas. Repetindo padrões.
A negação intermitente
Aos 20 anos, achei que ter um emprego formal mataria a minha criatividade. Foi assim que decidi abrir uma lojinha de botons personalizados.
Eu precisava de grana, achei uma boa ideia e só fui. Mas fui tendo em mente duas coisas:
- Que seria temporário;
- Que eu teria tempo de sobra para escrever.
Claro que nenhuma dessas hipóteses aconteceram.
O temporário se transformou em 13 anos – e contando – que mantenho a lojinha.
Mesmo que a produção não esteja mais no seu auge, eu ainda aceito encomendas de clientes que conhecem o meu trabalho.
Já o tempo-de-sobra-para-escrever foi preenchido com qualquer outra atividade que não a escrita.
Terminei uma graduação, ingressei em outra, tranquei, morei no Japão, aprendi a cantar e a tocar violão, participei de um monte de feiras, conheci muita gente boa pelo caminho… não foi tão ruim assim.
O problema é que eu estava do lado de fora da escrita, admirando de longe o mundo do qual eu gostaria de fazer parte.
A percepção inconsciente
Desde muito jovem, sempre me neguei a viver refém de dois sistemas fortes que regem nossa sociedade: o patriarcal e o capitalista.
Estou longe de ser uma esquerdo-anarquista vivendo só das frutas que caem das árvores, mas sou viciada em procurar outras alternativas para sobreviver.
Hoje isso tem um nome bonito: economia criativa.
No entanto, eu não percebi que o fato de não ter um emprego formal me faria refém de outro sistema: o da recompensa.
Desde muito cedo, aprendemos a gostar da sensação de sermos recompensados. Um carinho, um elogio, um doce, uma companhia para brincar, a possibilidade de ver o seu desenho favorito. Aprendemos que, basta se comportar bem para receber algo em troca.
Tal qual um cachorro ao ouvir o sino do Behaviorismo, eu aderi à máxima “preste um bom serviço para ser recompensada”. E bem, é caro que deu certo por um tempo. Deu tão certo que eu obtive certa estabilidade financeira.
Foi assim que começou o conflito: eu queria ser reconhecida como uma boa escritora e não como uma boa “fazedora” de botons.
Quando saquei o que estava me incomodando, tinham se passado 10 anos do terei-tempo-de-sobra-para-escrever.
Vou largar tudo para ser escritor (a)
Dois fatores me ajudaram a perceber o que estava acontecendo comigo:
- A crise econômica e a consequente queda nas vendas;
- O fato de eu ter duas publicações; uma delas com boa distribuição.
Já não tinha chegado aonde queria? Era escritora, afinal! Hora de ser conhecida como tal. Chega de ser a-moça-que-faz-botons, chega!
Misturar criação e dinheiro é certeza de novo conflito, porque há toda uma construção do ser artista versus o capital. Parecia errado receber dinheiro pela arte.
E, mesmo quando começou a parecer certo, notei que muitas pessoas não compram livros de autores independentes, ou sequer compram livros.
Em outras palavras, é muito difícil sobreviver só de vender livros.
Mas tudo bem, eu acredito na literatura, vou escrever sobre isso. Vou difundir isso. Vou dar oficinas sobre isso. E funcionou.
A dinâmica esburacada da escrita
Eu me encontrei como professora de escrita criativa. É fascinante poder divagar sobre o ato de escrever com outras pessoas que estão tão envolvidas no assunto quanto você. Eu amo as aulas e adoro os meus alunos.
Também sou muito feliz por ter leitores fiéis, muitos deles me acompanhando desde a primeira publicação. Sinto gratidão por cada um de vocês.
No entanto, há um fator obscuro na atividade de escritor: você nunca sabe ao certo quem está lendo. Em outras palavras, não há recompensa, nem imediata, nem prevista.
Não falo apenas de dinheiro – apesar de ser muito bom ver que as pessoas pagam pelo que você oferece –, muito menos só de visualizações e curtidas em redes sociais.
Estou falando daquela certeza com os dois pés no chão de estar conduzindo o próprio trabalho no caminho certo.
É praticamente impossível ter certezas quando se é escritor.
Nem mesmo Assis Brasil, professor de escrita criativa na PUCRS há mais de 30 anos, parece ter certeza. Em seu recém-lançado livro Escrever Ficção, ele fala sobre a importância do fator humano, quase sempre ignorado pelos manuais de escrita criativa.
Para ele, o trabalho do escritor inclui uma constante autodescoberta.
Eu concordo. É preciso pensar no fator humano; e não só do leitor, mas também do escritor.
Seguir uma vocação a ponto de torná-la um trabalho autoimposto – como o próprio autor a descreve –, exige bem mais do que a simples vontade de escrever um livro.
Você está disposto?
Antes de abandonar de vez tudo o que você está fazendo para ser escritor, se faça apenas essa pergunta: quanto tempo você está disposto a viver sem ser recompensado pelo que está escrevendo?
Talvez você leve dois anos para terminar um romance, mais uns dois para ser publicado e, sendo otimista, outros dez para começar a ser reconhecido.
Talvez você trabalhe a vida inteira sem ter a sua voz ouvida.
Sei que pareço pessimista, mas o falso glamour da vida de escritor só serve para mascarar a realidade.
Se você começar a escrever achando que seu primeiro livro será o maior best seller do ano, sofrera muito no processo – e falo por experiência própria.
Ser criativo, ter uma boa história e escrever bem não garantem que o seu livro será um sucesso – pelo contrário, isso é o mínimo que você tem que fazer como escritor.
Mas você percebe a ironia? Basta seguir os seus sonhos, eles dizem. Trabalhe com o que você ama e nunca precisará trabalhar, eles dizem.
Por favor, não se iluda.
Ser escritor, ainda mais escritor de ficção, é um modo de vida.
Nada te impede de escrever um ou dois livros e pronto, hora de plantar uma árvore ou ter um filho. Mas se você é escritor de verdade, não é por mera escolha: é por não conseguir ser outra coisa.
Se você quer largar tudo para ser escritor, melhor seguir sem ilusão. Você trilhará uma caminhada cheia de altos e baixos, de desafios imprevisíveis por pouca ou nenhuma recompensa.
E, se mesmo assim você estiver disposto a mergulhar na vocação, saiba que estou aqui para te ajudar.
Quer ajudar a escritora?
Produzir conteúdo, escrever livros, fazer vídeos, compor músicas, gravar podcasts…
Cada um de nós faz parte da cadeia criativa da internet, seja produzindo ou consumindo. E é maravilhoso poder fazer parte disso.
Sou muito grata a cada um de vocês que me acompanham e me motivam a seguir em frente. Sei que muitos dos leitores do site são produtores de conteúdo e fazem da escrita a sua forma de serem ouvidos.
No entanto, nem sempre é fácil encontrar motivação. É maravilhoso criar, mas a falta de apoio pode ser fatal para qualquer projeto criativo. É comum nos sentirmos sozinhos em um mar de postagens, pensando o que estamos fazendo de errado.
Saiba que você não está fazendo nada de errado.
Você não precisa mudar o seu trabalho; o que você precisa apoiar os artistas e criativos que admira sem esperar nada em troca.
A maioria das formas de apoio não são financeiras. O dinheiro ajuda a deixar os boletos em dia, mas o que incentiva de fato o trabalho criativo é o feedback de leitores e seguidores.
A partir de hoje, faça o seguinte por todos os artistas que você admira:
- Comente nas postagens deles, deixe a sua opinião;
- Assine a newsletter deles para saber em primeira mão sobre seus novos projetos;
- Sempre que puder, participe de debates, shows, lives, lançamentos e eventos deles;
- Inscreva-se nos cursos e oficinas que eles promovem;
- Leve comida para eles, principalmente se estiverem em uma feira muito movimentada;
- Artistas podem ser tímidos em público, por isso seja gentil com eles, mesmo que pareçam mais frios do que imaginava;
- Compre seus trabalhos em suas lojas virtuais e não através de intermediários;
- E, sempre que puder, pague-lhes um cafezinho.
Estou lendo o livro A Arte de Pedir, da musicista Amanda Palmer, no qual ela relata como pedir faz parte da vivência dela como artista – e isso muito antes do Kickstarter dar os ares da graça.
Passado o preconceito inicial, a história dela tem me ajudado muito a perder a vergonha de pedir.
Mesmo depois de ter feito seis campanhas de financiamento coletivo, sigo com preconceito sobre ficar pedindo ajuda aos leitores.
Mas, a partir de agora, pedirei mais ajuda.
Se você curte o meu trabalho e sente vontade de ajudar um pouquinho, eis a sua chance!
Você pode pagar quanto quiser pelo meu trabalho – desde um cafezinho até um boleto mais caro.
É só clicar aqui para ser encaminhado para o PagSeguro, definir o valor e receber toda a minha gratidão de volta.
Não podemos nos iludir, mas sei que podemos contar uns com os outros.
Pensei em comentar no instagram, mas já que estou aqui…
Eu to num processo bastante grande de resgate de mim e da minha identidade. Escrever sempre foi minha verdade (mas só descobri isso há poucas semanas). E com toda a certeza você está sendo – de forma indireta, e as vezes bem direta – uma guia nessa fase da minha vida. Perdi minha escrita faz alguns (bastante) anos, e com ela foram-se meus sonhos, minha essência, meu pulsar, e literalmente meu viver.
Engraçado como eu conheci seu trabalho, eu nem estava procurando pelo escrever ou ler, e de repente pá!
instagram da oficina de escrita, que me levou até o perfil pessoal, que me levou até a têmpora. E um belo dia estava lá eu, na inauguração da escola de artes, sozinha mas nem um pouco perdida.
E a cada postagem, a cada contato indireto e direto, eu comecei a sentir minha pulsação de volta, fraca ainda, mas viva, ou voltando a viver.
E voltei a escrever. Como antes? bom, ainda não, mas no caminho.
Tenho um pouco de vergonha por ainda não ter lido nenhum conto seu. Mas acho que os melhores momentos são assim, quando a gente conhece a pessoa sem saber quem ela é. Uma vez participei de uma oficina de poesia com o Eucanaã Ferraz, sem saber que era de fato ele (hehe). Claro que tenho uma enorme vontade de ler, mas preciso ir com calma, meus olhos orgânicos se esgotam muito rápido também.
E…
me identifiquei muito com esse seu pouquinho de história que acabei de ler.
E sim, quando essa pandemia passar, quero te convidar pra um chá – porque não tomo café
😉
Escrevi esse texto como um desabafo e o revisitei esses dias, mais ou menos na mesma época em que você me deixou esse comentário.
Você tem um talento incrível para me pegar desprevenida, de me fazer ver que é importante se expressar e falar sobre a minha relação com o mundo e com a escrita. Eu reli o meu texto/desabafo descrente de que ele pudesse servir para algo mais do que isso, ser um desabafo.
O seu comentário, no entanto, me fez lembrar do valor que há em falar de si de forma aberta, porque pode haver um outro em busca de algo além das relações superficiais as quais somos condicionados a ter pela internet.
Eu escrevo aqui e em qualquer outro lugar sobre a minha verdade, em tudo que acredito. Fico feliz que a minha maneira de falar sobre escrita tenha nos ajudado a nos encontrar.