“Você só precisa ser um pouco mais honesto do que já está acostumado a ser”
“A tarefa do escritor é pegar uma coisa e fazer com que represente vinte”, escreveu Virginia Woolf em 1926 para o jornal New York Herald Tribune, “é uma tarefa difícil e perigosa, mas só assim o leitor é poupado ao fervilhamento e à confusão da vida e imprimi-se com clareza o aspecto específico que o escritor quer que ele veja.”
Quase um século depois, Neil Gaiman, autor de histórias em quadrinhos, roteiros de cinema e romances como Sandman, Coraline e Deuses Americanos, contou em um vídeo o que aprendeu com as primeiras tentativas frustradas de ter seus contos publicados em revistas literárias.
“O momento mais difícil para mim foi começar como um escritor muito, muito jovem. Escrevi contos e enviei-os para locais que possivelmente podiam publicá-los e todos voltaram. E olhei para as histórias que iam e voltavam, iam e voltavam, e pensei, ok, bem, uma das duas coisas é verdade aqui. Ou não sou bom o suficiente ou não compreendo o mundo. As coisas que não entendo, as coisas que preciso de saber. E eu pensei tudo bem. Então, a partir de hoje, sou um jornalista freelancer especializado no mundo editorial de fantasia e ficção científica. E decidi ser jornalista porque pensei que isso me dava licença para fazer perguntas. Dava-me licença para sair e conhecer toda a gente, para descobrir quem são, descobrir o que fazem, descobrir como leem, para aprender.”
Uma vez convivendo com escritores e jornalistas, ele foi convidado para participar da oficina de criação literária de Milford. Mas, apesar de estar em um ambiente que tanto almejara, algo o incomodou: ele não estava lendo os textos propostos como um escritor.
“Percebi muito, muito rapidamente, que as minhas reações às histórias eram coisas como não gosto disto, isto é bom. Não foi essa a reação dos outros. Eles estavam reagindo às histórias em um nível muito mais profundo. Estavam lendo histórias diferentes que eu. Percebi que estava lendo as histórias como um espectador e eles estavam lendo histórias como artesãos, como pessoas que construíram estas coisas, como pessoas que faziam isto. E também percebi que estava errado. Estava enganado se quisesse ser escritor. E eles estavam certos.”
Foi essa percepção que fez com que o jovem Neil Gaiman mudasse sua busca de “um escritor de verdade” para “um escritor verdadeiro”. Ele descobriu que não lhe faltava viver ou escrever bem – aliás, ele diz que já escrevia muito bem na época. O problema é que ele não estava preparado para ser honesto.
“Eu não estava realmente preparado para dizer nada de verdadeiro sobre quem eu era. Eu não queria ser julgado. Não queria que as pessoas que liam qualquer uma das minhas histórias soubessem quem eu era, o que pensava ou que se aproximassem demais. E percebi que se você vai escrever, se vai ser um escritor de sucesso, ou pelo menos se vai ser o tipo de escritor que faz o tipo de coisas que eu iria fazer, tinha de se estar disposto a fazer o equivalente a andar nu pela rua. Tinha de ser capaz de mostrar bastante de si mesmo.”
O resultado de ser honesto e estar disposto a se mostrar surpreendeu o autor. Ao invés de ser julgado pelo que escreveu, Neil Gaiman passou a receber cada vez mais elogios. “Isso pareceu grande, pareceu pessoal”.
“Toda a ficção tem de ser tão honesta quanto for possível. Nisto eu acredito. Pode não ser verdade para todo escritor, pode não ser verdade para nenhum outro escritor, mas é verdade para este escritor. Você tem de ser o mais honesto possível, porque é a isso que as pessoas respondem.
No que me diz respeito, qualquer sucesso que eu tenha alcançado como escritor de ficção, consegui porque sou um escritor honesto; porque meus personagens são personagens reais; porque você [leitor] se preocupa com eles.”
Escrever de forma verdadeira e se mostrar através das palavras nem sempre é uma tarefa fácil – ainda mais quando publicamos nossos textos na internet e precisamos lidar com as respostas dos leitores. Complemente essa leitura com as dez lições da Amanada Palmer, esposa de Neil Gaiman, sobre como criar uma base de fãs e como mudar a forma como você pensa pode te fazer perder o medo de publicar os seus textos.
Olá! Eu nunca refleti profundamente sobre isso, tudo que eu escrevo e pessoal , mesmo que às vezes eu não queira é tão pessoal que tem momentos que escrevo e acho uma revelação de mim mesma.
E pra mim também é bem difícil, há sempre aquela tensão, quando por exemplo eu escrevo um poema e não quero expor eu sei que esse poema é o que tem que ser mostrado.
Muito interessante a sua observação sobre como decide qual poema deve ser publicado.
Para mim a escrita também sempre foi algo pessoal. No fim, todo o meu estudo sobre técnica é pra me permitir maquiar a minha mensagem pessoal com histórias que não pareçam tanto eu (mas sempre falho).
[…] ✔ E pinçamos uma reflexão de Neil Gaiman sobre escrever verdades e andar pelado na rua. […]