Mostre, não conte: aprenda o que é e como utilizar a técnica nas suas histórias

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Mostre, não conte — ou show, don’t tell. Eis a máxima de muitos escritores, professores de escrita criativa e criadores de narrativas em geral. 

No entanto, por mais que se fale sobre essa técnica, a ponto de torná-la um clichê, nem todos sabem como aplicá-la em suas histórias.

Pensando nisso, escrevi este artigo, no qual explico de forma direta o que é o conceito do mostre, não conte e trago exemplos de situações práticas nas quais você poderá aplicar a técnica e enriquecer ainda mais as suas narrativas.

O que é o conceito mostre, não conte

Mostre, não conte é uma técnica usada em vários tipos de textos, tanto ficcionais quanto não-ficcionais, que tem por objetivo promover a imersão do leitor através de ações, sensações, palavras, pensamentos e sentimentos. 

Para isso, o escritor precisa aprender a transformar trechos descritivos, expositivos e sumarizados em textos envolventes.

A diferença entre o mostre e o conte, para mim, é a seguinte: o texto que conta é uma leitura chata, daquelas que me faz bocejar a cada parágrafo. 

o texto que mostra é aquele que me faz perder a noção do tempo, de tão gostoso que é de ler.

Em outras palavras, é um texto tão bom que é como se eu estivesse vivendo a situação escrita.

A origem do mostre, não conte

A expressão mostre, não conte é atribuída à seguinte frase do escritor russo Anton Tchekhov:

Não me diga que a lua está brilhando; mostre-me o cintilar da luz em um vidro quebrado.

No entanto, a frase acima é um resumão simplista da citação original de Tchekhov, escrita por ele em uma carta ao seu irmão:

Nas descrições da natureza é preciso aproveitar pequenos detalhes, agrupando-os de modo que quando o leitor fecha os olhos ele obtenha uma imagem. Por exemplo, você terá uma noite de luar se escrever que na represa do moinho um pedaço de vidro de uma garrafa quebrada brilhou como uma pequena estrela, e que a sombra negra de um cão ou de um lobo rolou como uma bola.

Perceba como o conceito se torna menos dogmática quando lemos a citação original do escritor. 

O que Tchekhov quis dizer com a versão dele de mostre, não conte é que ao invés de fazer descrições diretas, é possível usar descrições mais elaboradas, como metáforas, que transmitam a mesma ideia e, ao mesmo tempo, estimulem a imaginação do leitor.

Apesar do conceito de mostre, não conte ser atribuído ao Tchekhov, vários escritores, anteriores e posteriores a ele, defendem a mesma ideia. 

Portanto, para aprender como aplicar o conceito em nossos textos, vamos cruzar as técnicas mais citadas e utilizadas nas narrativas contemporâneas.

Como utilizar o mostre, não conte na sua escrita

Antes de começarmos, um aviso: não existe fórmula mágica para escrever

As técnicas que vou mencionar a partir de agora não são regras nem garantem a qualidade da sua história

No entanto, se você compreendê-las, interiorizá-las e misturá-las a sua voz narrativa, fará do seu texto uma boa experiência de leitura.

Dose textos expositivos, descritivos e sumarizados

Para criar uma narrativa envolvente, é preciso muito mais do que uma boa ideia e personagens interessantes.

Independentemente do tamanho da sua história, saber quando e como utilizar trechos expositivos, descritivos e sumarizados pode garantir a imersão do leitor do início ao fim.

De forma resumida (com o perdão da ironia), essas são três formas de resumir as ações dentro de uma narrativa. Vamos pensar sobre cada uma delas:

  • Exposição é quando o escritor expõe informações do contexto da narrativa, como a situação em que a personagem está vivendo, o que ela está pensando ou ainda informações anteriores à narrativa. 
  • Descrição é quando o escritor descreve o local, a personagem, os pensamentos e as cenas.
  • Sumarização é quando o escritor resume cenas e ações das personagens com o intuito de explicar algo (como uma passagem de tempo, demonstrar um resultado etc.).

Não há nada de errado com essas técnicas, certo? Nós a usamos o tempo todo quando escrevemos. O problema é quando as usamos em exagero e sem trabalhar a forma como as escrevemos.

O que torna uma história interessante é a capacidade do escritor de transportar o leitor para o mundo proposto — ou, como comentei antes, a habilidade de suspender a passagem do tempo.

Exposições, descrições e sumarizações, quando mal-feitas e utilizadas em exagero, são os campeões em deixar o texto chato.

Em outras palavras, quando tudo é resumo, nada importa de verdade.

A dica aqui é entrar na pele da personagem — o que eu chamo de vestir a personagem — e experienciar ao máximo o que ela vive.

Dessa forma, sua narrativa sairá do mero “ela fez isso, ela fez aquilo” para ações concretas, sensações verdadeiras e emoções reais — elementos que, sem dúvida, mostram muito mais do que contam.

Uso controlado de adjetivos e advérbios

Agora é hora de polêmica: o uso de adjetivos e advérbios no texto. Tem gente que defende, tem gente que abomina. 

O escritor Stephen King, por exemplo, no livro Sobre a Escrita, afirma que o atalho para o inferno deve ser coberto de advérbios. 

Por aqui, gosto de trabalhar com fatos — e o fato é que o uso exagerado, seja de adjetivos ou de advérbios, empobrece a escrita

E empobrece no sentido de não ajudar o leitor a imaginar a situação que a personagem está vivenciando.

Quando você usa muitos adjetivos ou advérbios em um texto, a balança pende para o contar, porque essas palavras são atalhos descritivos

Por exemplo, ao afirmar que uma mulher é linda, você está entregando para o leitor a tarefa de imaginar como ela é linda. 

Por outro lado, descrever a beleza dessa mesma mulher, sem utilizar o adjetivo “linda”, você convida o leitor a imaginá-la com você.

O mesmo ocorre com os advérbios. Dizer como uma personagem realiza todas as ações utilizando advérbios (com força, rapidamente, muito bem etc.) deixa o texto chato.

Para aperfeiçoar o texto, substitua, sempre que possível, adjetivos e advérbios por ações e descrições que explorem os nossos cinco sentidos

Mais uma vez, vista a personagem e se coloque no lugar dela, imaginando o que ela vê, quais sons escuta, que cheiros sente, quais sensações se espalham em seu corpo e que sabores chegam à sua boca.

Uso de metáforas e outras figuras de linguagem

Tchekhov já estava cantando essa pedra. Quando escrevemos utilizando metáforas e outras figuras de linguagem, como a metonímia e o sarcasmo, enriquecemos a experiência de leitura porque convidamos o leitor a refletir sobre o que está escrito.

Aliás, muitos escritores e criadores de histórias, como Robert McKee no livro Story, aconselham que não devemos subestimar a inteligência dos nossos leitores.

Se pensarmos bem, essa é a ideia central do conceito mostre, não conte. Isso porque quando nós contamos, entregamos as informações de mão beijada ao leitor, tornando a história chata e desinteressante.

As metáforas, em especial, também possuem um forte apelo estético e ajudam a reforçar ideias e imagens quando bem utilizadas — como é o caso da metáfora da sombra do lobo, escrita por Tchekhov.

A dica aqui é imaginar a cena na sua cabeça e deixar as ideias fluírem para que as associações sejam livres — e as metáforas — surjam naturalmente.

Com o hábito de escrita, você se perguntará “essa ação poderia ser escrita como uma metáfora?” e a resposta virá antes que você perceba.

Uso controlado de verbos de pensamento

A técnica foi desenvolvida pelo escritor Chuck Palahniuk que, além de ser autor do livro Clube da Luta, também ministra oficinas de escrita criativa.

A ideia dele é, na minha opinião, um novo nível de mostre, não conte.

Ao usarmos os verbos como pensar, parecer, imaginar, sentir, desejar, querer e quaisquer outros que indiquem os pensamentos das personagens, empobrecemos a experiência de leitura.

Isso porque, ao darmos acesso direto aos pensamentos das personagens, não convidamos o leitor a imaginar o que está acontecendo na cabecinha da pessoa que estamos criando.

A dica aqui é avaliar em quais momentos da narrativa os verbos de pensamento seriam insubstituíveis

Dessa forma, quando aparecerem, eles causarão impacto no leitor, reforçando as ideias do seu texto.

Evite adiantar a ação da personagem

Para finalizar, uma reflexão desenvolvida por mim. Depois de fazer a leitura crítica de vários textos, escritos por autores em diferentes momentos, identifiquei alguns padrões.

Um deles é o que chamo de adiantar a ação.

Quando estamos criando e escrevendo, é normal lançarmos nossas ideias no papel na ordem em que elas aparecem.

No entanto, quando fazemos isso, é normal também que nós entreguemos um resumo da cena antes da descrição detalhada da ação.

O problema desse vai e vem de ideias vai além da repetição não-intencional: ao resumirmos a cena, tudo o que vem depois perde a força, por mais bem escrito que esteja.

A dica aqui é escrever esses resumos de cena apenas como uma anotação e, a partir deles, desenvolver a cena com todas as ações que você imaginar. 

Dessa forma, você estará mostrando o que acontece ao invés de sair contando logo de cara.

O filme que passa na sua cabeça

A maneira mais simples de aplicar o conceito mostre, não conte na sua narrativa é escrevendo um prol do filme que passa na sua cabeça.

Aproveite o fato de sermos bombardeados por imagens o tempo inteiro e escreva suas histórias da maneira como você as imagina: com a riqueza de cores, sons, cheiros, sensações, sabores e ações.

Lembre-se também que imaginar e escrever é um ofício de demanda tempo, então não se frustre caso tenha dificuldade em narrar as ações da maneira como você as imaginou.

Vale mais escrever de forma consistente, mas em pequenas quantidades, do que escrever um monte, mas sem conteúdo.

Com o treino diário de escrita, tenho certeza de que, aos poucos, você conseguirá mostrar muito mais do que contar e manterá os leitores envolvidos nas suas histórias do início ao fim.

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Quem escreve sobre escrita

Mylle Pampuch

Mylle Pampuch escreve e edita livros. Publicou as histórias em quadrinhos A Samurai e Doce Jazz e os livros de contos A Sala de Banho e Realidades pré-distópicas (& modos de usar). Ministra oficinas de escrita criativa, orienta autores em seus projetos literários e incentiva todos que queiram a escrever e publicar suas próprias histórias.

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